domingo, 27 de março de 2011

UM SONHO

            Ele nunca concordou e nem se conformava com o que diziam seus velhos e já falecidos pais, que voar era só para os pássaros.
           Tinha de encontrar um jeito, alguma maneira, essa era uma idéia fixa, toda brincadeira com os colegas ele dava um jeito de subir em algum lugar e pular de lá.
            Joelhos e cotovelos esfolados eram comuns para aquele garoto peralta que insistia em dizer que um dia ia sair voando, de onde ele tirou essa idéia?  Talvez fosse de observar os pássaros.
           Sonhava em ver o mundo lá de cima, ficava imaginando como seria subir até as nuvens, mas a realidade o alcançava rapidinho, e lá ia ele subir nas árvores, não eram as nuvens, mas já estava longe do chão.
            Deixou de ser criança, mas o sonho de voar persistiu, um desejo que volta e meia vibrava em seu coração.
            Sendo de família pobre, sem recursos financeiros para custear uma viajem de avião, o jeito era continuar lutando, pois sonhar não custava nada. O fato de morar longe de um aeroporto, dificultava ainda mais, pois os aviões passavam tão altos, mal dava pra ver como era. Mas ele pensava: devia ser muito bom.
            Os filhos que teve, resultado de uma feliz união com dona Zelinda, era um grande orgulho, garotos fortes trabalhadores, gente simples, mas muito honesta.  Fez questão de ensinar aos meninos que respeito se conquista com trabalho e honradez.
             Seu Chico, aprendeu a construir casas e aos poucos se tornou o melhor construtor da região, sua casa foi construída por suas próprias mãos e isso era um grande orgulho, muitas outras foram construídas por ele e seus filhos, pois assim que tiveram idade suficiente foram ajudar o pai nas construções. Os estudos era importante aos meninos, ele mesmo só pôde ficar poucos anos na escola, mas os filhos tinham que estudar mais.
          O mais velho tomou gosto pela profissão do pai, se tornou um bom profissional, já o mais novo queria estudar para ser doutor advogado. Foram tempos de muita luta.
          E assim se tornaram homens os garotos do seu Chico.
          Ele agora já com os cabelos brancos, mas com uma alegria de viver de causar inveja em muita gente jovem, contador de piadas fazia todos rirem,  gostava de falar de seu sonho acalentado por tantos anos, ainda não conseguira voar, agora contava aos netos as peripécias que inventava quando era garoto, tudo para tentar voar, mas nunca conseguiu, chegou  até a quebrar uma perna com essa mania. 
         Dizia sempre que os sonhos mantêm as pessoas vivas e se ele ainda não tinha voado, então ia viver muito ainda e ria.
            No seu octogésimo aniversário, ele acordou cedinho e foi fazer a caminhada costumeira, junto com sua companheira, de longa data dona Zelinda, andou pelo bairro, passou na padaria comprou pão quentinho, a rotina estava sendo seguida a risca. Indicação do médico afinal a idade já pesava.
         Mas naquela manhã especificamente ele estava mais agitado, talvez fosse a expectativa, pois seus filhos sempre lembravam com carinho de seu aniversário, e vinham cumprimentá-lo na hora do almoço, e tinha o bolo que ele adorava, tinha sabor de infância.
            Dona Zelinda percebeu a agitação do seu Chico, mas nada falou, ele parecia um garoto crescido, com seu sonho maluco de voar, tinha em casa muitos desenhos de avião que ele havia feito quando era jovem, tudo guardado com muito carinho, ela sempre respeitou o sonho dele.
            Os filhos tinham seus sonhos, suas aspirações, mas nada se comparavam com a idéia fixa do pai, eles haviam crescido ouvindo suas histórias, as quais, contava agora aos netos que se encantavam com o avô, que um dia queria  ser passarinho.
          Quando estavam juntos riam muito, das tentativas frustradas, na época não foi, mas agora eram engraçadas, e lhe rendera umas broncas memoráveis, até uma chinelada ou outra da mãe.
            Seu Chico não se incomodava com presentes, sempre dizia que Deus fora muito bom pra ele, lhe dando uma família tão bonita, filhos criados com dificuldade, com muita dignidade com respeito e o mais importante muito amor.           
           Sempre agradecia aos céus por essas dádivas.
           Esse dia era especial, seu aniversário ia ser comemorado em grande estilo, seus filhos tinham uma grande surpresa para ele.
            O almoço transcorreu na maior expectativa, depois da sobremesa que logicamente era um enorme bolo de chocolate, sabor preferido do aniversariante, veio a grande surpresa, os filhos haviam comprado uma passagem de avião, seu Chico pulou de alegria, parecia um menino, que ganhou sua primeira bicicleta, ria muito, ficou emocionadíssimo, pois finalmente ia realizar o sonho tão acalentado, ia voar de avião, ia ver o mundo lá de cima como sempre desejou.
            Dona Zelinda ficou meio preocupada, ela também estava incluída no presente, mas como era isso de voar? Os filhos acalmaram a mãe convenceram-na de que era muito seguro.
           Ela ainda desconfiava dessa história coisa da idade, dizia ela.
            Seu Chico pelo contrário era só felicidade dava gosto de ver, quando derrepente, ele parou e começou a pensar em como seria dali pra frente, afinal foi uma vida inteira esperando uma oportunidade como aquela, será que valia a pena, realizar esse sonho agora.
            Os filhos tinham certeza que estava mais que na hora de fazer o velho Chico voar, nunca foi novidade pra ninguém, quando eram garotos chegaram a construir uma aeronave de papelão, e deram de presente a ele, mas na primeira chuva que deu, o presente se desfez, foi uma tristeza só, mas logo ele se conformou e voltou a sonhar em voar de verdade.
            A divagação do seu Chico sobre realizar seu sonho, não durou muito, agora com as passagens era hora de fazer as malas e correr para o aeroporto.
           Os filhos estavam contentes em proporcionar aos pais essa viajem.
           Foram todos ver o casal embarcar, era só uma semana de férias, mas isso era de menos, o importante era ver o encantamento do velho senhor.
           E lá foi seu Chico a realizar seu mais que acalentado sonho de uma vida inteira. O coração batia forte era muita felicidade.
            Já no avião, uma questão surgiu nos pensamentos do seu Chico, estava realizando um sonho e depois de voar como vai ser? Vou deixar de sonhar, e minha vida vai acabar assim? 
            Ele olhou para sua companheira que apertava firme sua mão demonstrando um pouco de medo, ele acalmou-a.
            Dona Zelinda conhecia muito bem aquele senhor de cabelos brancos ao seu lado confiava sua vida a ele.
            Como fora em toda sua vida, sempre lado a lado, mas agora notava um novo brilho naqueles olhinhos, tão conhecido, e pensou: o que será que ele estava matutando agora? E aquele sorriso maroto ela conhecia muito bem, ele estava pensando em alguma peraltice, era questão de tempo pra ela descobrir o que seria.
            Mulher esperta - pensou ele.
           Realizando o seu maior sonho, teve certeza que valeu a pena. Olhando lá de cima por entre as nuvens a sensação era maravilhosa, viu o oceano, nascia agora um novo desejo, foi só um lampejo, um pensamento rápido, mas que começava a tomar forma, naquela cabecinha peralta do seu Chico, com um sorriso nos lábios pensou: vendo esse marzão aqui de cima, como será ver de perto um navio.
Um novo sonho nascia?
Será que ele ia começar tudo de novo?

Nilda Zafra

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