segunda-feira, 4 de abril de 2011

RECOMEÇAR

         Heloisa acordou cansada e pensou: "Nada mais cansativo que cuidar de um adulto doente". Ela já passara muitas noites acordada com seus filhos quando eram pequenos, agora já estavam crescidos, contudo Francisco seu marido, conseguia ser o pior paciente do mundo, devido ao fato de estar bem acima do peso e sempre reclamando de tudo.
         Nada estava bom, como tinha uma boa saúde, ficava irritado com o fato de estar convalescendo de uma cirurgia de urgência a qual teve que se submeter. Isso depois de passar mal em plena praça pública, fato que também o irritava.
Taxista há muitos anos, com essa profissão conseguiu, manter a família e dar estudo aos seus dois filhos, um de seus orgulhos era de nunca precisar que a mulher trabalhasse fora, dizia: "Mulher tem que ficar em casa, cuidando dos filhos e dos deveres do lar, nada de sair pra trabalhar e arranjar confusão".
Heloisa a principio não concordou muito com ele, mas com o tempo se acomodou e assim o desejo de lecionar foi ficando pra depois, acabou desistindo de dar aulas, já que tinha se formado como professora acabou ensinando os filhos mesmo.
A cirurgia do marido não foi tão complicada assim, mas ele exigia sua presença o tempo todo, e nesse dia em particular ela estava mais cansada, a exigência foi maior, parecia que ele fazia de propósito, a cama que era do casal, foi deixada só pro convalescente, ela dormia em um colchonete ao lado da cama, caso ele viesse precisar dela á noite, o que acabava acontecendo freqüentemente, os filhos achavam que era exagero do pai, mas a mãe não reclamava e eles se calavam.
Numa noite ele precisou de um determinado remédio e constataram que tinha acabado não havia mais nem um comprimido na caixa, ele ficou furioso com Heloisa, pois esse era o remédio para evitar dor e ela tinha esquecido de comprar durante o dia, era obrigação dela providenciar, por esse motivo foi maltratada, os filhos se propuseram a buscar, mas ele exigiu que Heloisa fosse comprar na farmácia mais próxima, para não demorar.
Para evitar mais brigas ela foi, era a chance de ficar alguns minutos em paz. Numa esquina mal iluminada, sua suposta paz acabou, foi atacada por um marginal, que exigiu que ela mantivesse a boca fechada, apavorada permaneceu calada até ele terminar, foram alguns minutos que pareceram horas o bandido logo em seguida saiu correndo, largando-a ali na calçada,  não não houve assalto só violência física.
Heloisa não sabe quanto tempo ficou ali, sentada assustada, não queria acreditar no que acabara de acontecer, e pensou em como era espantoso a rapidez com que acontece um crime, não chorava, estava absorta. Uma mulher apareceu e ofereceu ajuda, compreendendo o que acabara de acontecer, mas Heloisa estava em estado de choque, a senhora a acompanhou e a deixou próximo da farmácia na qual devia comprar o remédio para o Francisco porque, ir para uma delegacia era impensável, um posto médico pior ainda, ninguém viu nada melhor deixar pra lá e tentar esquecer.
Voltando para casa depois de comprar o tal remédio, ela tremia de medo de reencontrar o bandido, mas estava tudo calmo, parecia que nada tinha acontecido ali á pouco tempo atrás.
 Já em casa seu marido nada percebeu, como perceberia? Estava tão preocupado consigo que não via nada além de si mesmo, tomou o remédio e voltou a dormir, pois já era tarde. Ninguém percebeu o estado quase catatônico em que ela se encontrava, por ser uma mulher de poucas palavras tudo parecia normal.
Heloisa entrou no banheiro para tomar banho, pois se sentia imunda, ligou o chuveiro, com a água caindo ela deu vazão a todos os sentimentos daquele dia, que terminara de maneira horrível, chorou muito e se esfregou mais ainda, sua pele clarinha, ficou vermelha, seus lindos olhos azuis ficaram inchados de tanto que ela chorou, enfim o cansaço de todo um dia lhe venceu, saiu do banheiro e se meteu entre os lençóis limpinhos do seu colchonete, precisava dormir e esquecer todo aquele pesadelo.
Precisava de uma noite de sono tranqüilo, mas não foi desta vez teve pesadelos a noite toda.
A recuperação do Francisco estava evoluindo muito bem, em breve ele poderia voltar para as ruas, dirigir seu carro que era o que mais gostava de fazer. A vida de taxista foi a saída que Francisco encontrou depois de algum tempo sendo operário de uma fábrica que faliu logo que casou.
Sem muito estudo, pelo menos tinha um carro novo que restou do acerto trabalhista, os filhos vieram logo e era sua obrigação manter a casa e a família.
A alta médica era esperada com ansiedade, pois as economias já estavam no fim, e Heloisa não vinha passando muito bem, se precisasse de médico Francisco tinha que estar trabalhando para manter qualquer tratamento.
Francisco ficou muito irritado quando ela disse que iria procurar um médico, disse que era frescura que ela tava procurando jeito de gastar dinheiro a toa. Ela teve que engolir mais essa grosseria do marido.
 A idade era uma preocupação, mais de quarenta anos, mas com boa saúde até então, talvez fosse a pré menopausa que estivesse lhe causando tanto mal estar e até tonturas, afinal já não era mais uma menina e sim uma jovem senhora.
 Estava resolvido, ela iria procurar um médico no hospital para conversar e ver o que estava acontecendo, também poderia ser o estresse, afinal seu marido foi tão exigente quando esteve doente que quase a deixou maluca, mas para não tirar conclusões precipitadas, Heloisa decidiu: "Vou na segunda feira sem falta".
O médico examinou Heloisa e achou muito estranho seu estado, pediu alguns exames, os quais ela poderia fazer no posto de saúde de seu bairro mesmo, quando em poder dos resultados retornasse, para avaliação médica, pois era muito cedo para um diagnóstico conclusivo, e ela era muito nova para estar na menopausa.
Duas semanas depois, ela voltou com os resultados em mãos, o médico riu ao lhe dar o diagnóstico, que era muito simples: ela estava grávida.
Heloisa teve um susto enorme era impossível, pois seu marido havia feito vasectomia depois que seus filhos nasceram e já eram grandes.
O médico disse não haver nenhuma falha, ela estava grávida já de algumas semanas, foi aí que Heloisa se lembrou daquela noite pavorosa, em que ela tinha sido atacada na rua. Chorando muito e desesperada contou ao médico, o que ocorrera.
Ele estava chocado com o que ouvia daquela senhora tão distinta que se debulhava em lágrimas em seu consultório, pediu para a enfermeira pegar um copo de água para a paciente, ao retornar a enfermeira reconheceu a mulher que tinha ajudado á algum tempo, quando voltava para casa depois de um dia de trabalho como assistente do médico, o mesmo que agora estava atendendo Heloisa, se certificou que se tratava da mesma pessoa. Conversaram muito principalmente dos riscos que Heloisa correu ao não procurar um médico na ocasião, pois existe o risco de se pegar doenças nesses casos sem falar no vírus HIV, tinha sido imprudência dela.
 Heloisa aos poucos se acalmou, encontrou ali uma amiga para desabafar, pois fazia tanto tempo que não conversava com ninguém, não era de se lamentar, mas a vida estava sendo cruel com ela.
Ficou decidido que os três iriam pensar numa saída para Heloisa, o médico iria conversar com Francisco e tentar, fazê-lo entender o drama em que a esposa estava vivendo, mesmo depois de saber do comportamento machista, que ele tinha para com ela.
 Francisco não era má pessoa, só foi mal preparado para a vida, o comportamento antiquado herdou de seu pai um senhor com idéias retrógradas. Mas Francisco precisava saber o que estava acontecendo no momento.
E assim chegou o dia das revelações.
No consultório onde estavam o clima era tenso, Francisco brigando com Heloisa por perder uma manhã de trabalho na praça, ela apavorada com a reação dele, enfim o clima era de terror, o médico logo notou que tinha pela frente uma grande batalha, mas ele tinha que preservar a vida a todo custo, e apoiar sua paciente, da qual estava ficando amigo.
Francisco não acreditou no que estava acontecendo, aquilo era um absurdo, sua esposa estava grávida de um marginal qualquer e eles queriam que ele aceitasse aquilo com naturalidade, estavam pensando que ele era o quê, um idiota? Jamais aceitaria isso.
        A briga foi muito feia, ele saiu do consultório dizendo que não queria ver Heloisa nunca mais.
        Era o fim de um casamento de anos.
        Depois de pensar muito, ela foi pra casa conversou com os filhos que ficaram chocados com o que a mãe passou e estava passando.
        Decidiu acatar a ordem do marido pela ultima vez e sair da própria casa onde viveu por tanto tempo, os meninos apoiaram a mãe, pois nunca concordaram com a maneira autoritária e machista do pai.
O apoio daquela senhora que ajudou Heloisa naquela noite fatídica foi muito importante, ficaram grandes amigas, era uma viúva aposentada que trabalhava com o médico mais como uma forma de se manter ocupada, pois recebia uma generosa pensão deixada por seu falecido marido, e morava num ótimo apartamento próximo de onde Heloisa residia.   
Como Heloisa estava sem saber onde iria ficar, já que voltar para a casa da mãe era impossível, acabou aceitando o convite para ficar morando com a nova amiga.
Heloisa iria precisar de ajuda já que a gravidez era de algum risco devido à idade.
Decisão difícil, mas acertada principalmente quando nasceu o bebê, era uma linda menina.
 Francisco nem quis ter conhecimento do fato, decidiu se desligar definitivamente de Heloisa, concordou em dar uma pensão magra, afinal era a mãe de seus filhos machos, já que a vasectomia a qual se submeteu, foi pra não correr o risco de ter uma filha mulher.
Assim que pode ela voltou a cuidar de si mesma, seus filhos deram o maior apoio, moral e financeiro, ela era uma jovem senhora e muito bonita com um pouco de cuidado, seus lindos e louros cabelos voltaram a ter vida, seus olhos azuis como o céu de verão, brilhavam, como nunca foi gorda seu corpo ainda estava em forma, mesmo amamentando ficara muito bonita, a gestação um pouco tardia fez um bem enorme, o sorriso agora era constante, estava feliz depois de muito tempo.
 Conseguiu uma vaga como professora, numa creche onde poderia deixar sua filha e trabalhar no mesmo local. Afinal a amiga tinha que voltar ao trabalho depois de uma longa licença, que tirou para cuidar de Heloisa e do bebê que adotou como sua netinha.
Foi depois, desse pesadelo todo, que Heloisa percebeu o quanto fora negligente consigo mesma, deixando que seu marido dirigisse sua vida.
 Agora retomara as rédeas de seu destino e sua filha foi só um empurrãozinho que faltava, pois estava crescendo forte e sadia.
Ser mãe depois dos quarentas estava sendo para Heloisa uma novidade maravilhosa, ela se sentia livre para cuidar de sua filha, com o apoio de seus filhos mais velhos, que curtiam muito o fato de ter uma irmãzinha.
 O amor que um dia sentiu por Francisco acabou e se continuasse casada, não iria ser feliz, assim ela percebeu que aquele ditado popular é muito verdadeiro: Deus escreve certo por linhas tortas, e ele estava dando a ela uma nova chance de ser feliz, e Heloisa agarrou essa chance, uma pequena bochechudinha sorridente dependia dela.
 Iriam ser felizes.

2 comentários:

  1. Otíma história, triste, forte e acalentadora pois dai se ve que, algumas vezes, aquilo que de pior pode nos acontecer, na verdade é uma porta de libertação. Parabens.

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  2. olha achei tao bonito seu blog que pedi prum rapz que mexe com isso pra copiar sua ideia pra mim, acho que nao tenho talentu igual voce mas gostei da ideia de escrever, tenho umas historias e agora voce deu coragem de publicar

    www.taniabizanempalavras.blogspot.com

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