domingo, 27 de março de 2011

UM SONHO

            Ele nunca concordou e nem se conformava com o que diziam seus velhos e já falecidos pais, que voar era só para os pássaros.
           Tinha de encontrar um jeito, alguma maneira, essa era uma idéia fixa, toda brincadeira com os colegas ele dava um jeito de subir em algum lugar e pular de lá.
            Joelhos e cotovelos esfolados eram comuns para aquele garoto peralta que insistia em dizer que um dia ia sair voando, de onde ele tirou essa idéia?  Talvez fosse de observar os pássaros.
           Sonhava em ver o mundo lá de cima, ficava imaginando como seria subir até as nuvens, mas a realidade o alcançava rapidinho, e lá ia ele subir nas árvores, não eram as nuvens, mas já estava longe do chão.
            Deixou de ser criança, mas o sonho de voar persistiu, um desejo que volta e meia vibrava em seu coração.
            Sendo de família pobre, sem recursos financeiros para custear uma viajem de avião, o jeito era continuar lutando, pois sonhar não custava nada. O fato de morar longe de um aeroporto, dificultava ainda mais, pois os aviões passavam tão altos, mal dava pra ver como era. Mas ele pensava: devia ser muito bom.
            Os filhos que teve, resultado de uma feliz união com dona Zelinda, era um grande orgulho, garotos fortes trabalhadores, gente simples, mas muito honesta.  Fez questão de ensinar aos meninos que respeito se conquista com trabalho e honradez.
             Seu Chico, aprendeu a construir casas e aos poucos se tornou o melhor construtor da região, sua casa foi construída por suas próprias mãos e isso era um grande orgulho, muitas outras foram construídas por ele e seus filhos, pois assim que tiveram idade suficiente foram ajudar o pai nas construções. Os estudos era importante aos meninos, ele mesmo só pôde ficar poucos anos na escola, mas os filhos tinham que estudar mais.
          O mais velho tomou gosto pela profissão do pai, se tornou um bom profissional, já o mais novo queria estudar para ser doutor advogado. Foram tempos de muita luta.
          E assim se tornaram homens os garotos do seu Chico.
          Ele agora já com os cabelos brancos, mas com uma alegria de viver de causar inveja em muita gente jovem, contador de piadas fazia todos rirem,  gostava de falar de seu sonho acalentado por tantos anos, ainda não conseguira voar, agora contava aos netos as peripécias que inventava quando era garoto, tudo para tentar voar, mas nunca conseguiu, chegou  até a quebrar uma perna com essa mania. 
         Dizia sempre que os sonhos mantêm as pessoas vivas e se ele ainda não tinha voado, então ia viver muito ainda e ria.
            No seu octogésimo aniversário, ele acordou cedinho e foi fazer a caminhada costumeira, junto com sua companheira, de longa data dona Zelinda, andou pelo bairro, passou na padaria comprou pão quentinho, a rotina estava sendo seguida a risca. Indicação do médico afinal a idade já pesava.
         Mas naquela manhã especificamente ele estava mais agitado, talvez fosse a expectativa, pois seus filhos sempre lembravam com carinho de seu aniversário, e vinham cumprimentá-lo na hora do almoço, e tinha o bolo que ele adorava, tinha sabor de infância.
            Dona Zelinda percebeu a agitação do seu Chico, mas nada falou, ele parecia um garoto crescido, com seu sonho maluco de voar, tinha em casa muitos desenhos de avião que ele havia feito quando era jovem, tudo guardado com muito carinho, ela sempre respeitou o sonho dele.
            Os filhos tinham seus sonhos, suas aspirações, mas nada se comparavam com a idéia fixa do pai, eles haviam crescido ouvindo suas histórias, as quais, contava agora aos netos que se encantavam com o avô, que um dia queria  ser passarinho.
          Quando estavam juntos riam muito, das tentativas frustradas, na época não foi, mas agora eram engraçadas, e lhe rendera umas broncas memoráveis, até uma chinelada ou outra da mãe.
            Seu Chico não se incomodava com presentes, sempre dizia que Deus fora muito bom pra ele, lhe dando uma família tão bonita, filhos criados com dificuldade, com muita dignidade com respeito e o mais importante muito amor.           
           Sempre agradecia aos céus por essas dádivas.
           Esse dia era especial, seu aniversário ia ser comemorado em grande estilo, seus filhos tinham uma grande surpresa para ele.
            O almoço transcorreu na maior expectativa, depois da sobremesa que logicamente era um enorme bolo de chocolate, sabor preferido do aniversariante, veio a grande surpresa, os filhos haviam comprado uma passagem de avião, seu Chico pulou de alegria, parecia um menino, que ganhou sua primeira bicicleta, ria muito, ficou emocionadíssimo, pois finalmente ia realizar o sonho tão acalentado, ia voar de avião, ia ver o mundo lá de cima como sempre desejou.
            Dona Zelinda ficou meio preocupada, ela também estava incluída no presente, mas como era isso de voar? Os filhos acalmaram a mãe convenceram-na de que era muito seguro.
           Ela ainda desconfiava dessa história coisa da idade, dizia ela.
            Seu Chico pelo contrário era só felicidade dava gosto de ver, quando derrepente, ele parou e começou a pensar em como seria dali pra frente, afinal foi uma vida inteira esperando uma oportunidade como aquela, será que valia a pena, realizar esse sonho agora.
            Os filhos tinham certeza que estava mais que na hora de fazer o velho Chico voar, nunca foi novidade pra ninguém, quando eram garotos chegaram a construir uma aeronave de papelão, e deram de presente a ele, mas na primeira chuva que deu, o presente se desfez, foi uma tristeza só, mas logo ele se conformou e voltou a sonhar em voar de verdade.
            A divagação do seu Chico sobre realizar seu sonho, não durou muito, agora com as passagens era hora de fazer as malas e correr para o aeroporto.
           Os filhos estavam contentes em proporcionar aos pais essa viajem.
           Foram todos ver o casal embarcar, era só uma semana de férias, mas isso era de menos, o importante era ver o encantamento do velho senhor.
           E lá foi seu Chico a realizar seu mais que acalentado sonho de uma vida inteira. O coração batia forte era muita felicidade.
            Já no avião, uma questão surgiu nos pensamentos do seu Chico, estava realizando um sonho e depois de voar como vai ser? Vou deixar de sonhar, e minha vida vai acabar assim? 
            Ele olhou para sua companheira que apertava firme sua mão demonstrando um pouco de medo, ele acalmou-a.
            Dona Zelinda conhecia muito bem aquele senhor de cabelos brancos ao seu lado confiava sua vida a ele.
            Como fora em toda sua vida, sempre lado a lado, mas agora notava um novo brilho naqueles olhinhos, tão conhecido, e pensou: o que será que ele estava matutando agora? E aquele sorriso maroto ela conhecia muito bem, ele estava pensando em alguma peraltice, era questão de tempo pra ela descobrir o que seria.
            Mulher esperta - pensou ele.
           Realizando o seu maior sonho, teve certeza que valeu a pena. Olhando lá de cima por entre as nuvens a sensação era maravilhosa, viu o oceano, nascia agora um novo desejo, foi só um lampejo, um pensamento rápido, mas que começava a tomar forma, naquela cabecinha peralta do seu Chico, com um sorriso nos lábios pensou: vendo esse marzão aqui de cima, como será ver de perto um navio.
Um novo sonho nascia?
Será que ele ia começar tudo de novo?

Nilda Zafra

sábado, 19 de março de 2011

VELHO BENEDITO

VELHO BENEDITO


Depois de tantos anos o velho Benedito pensava como seria no futuro, viveu sempre no mesmo povoado, nasceu, cresceu ali.
Subiu nas goiabeiras, nas jabuticabeiras, comeu as frutas no pé, nadou no riachinho lá no fundo da fazenda. Fez todas as peraltices como todo moleque travesso.
Sua mãe era uma senhora muito carinhosa e seu pai homem justo, de brio, muito sério e de poucas palavras, mas muito trabalhador. Ensinaram os filhos a ganhar o pão desde muito cedo, assim que tivessem tamanho para pegar numa enxada ia cedo pra roça, capinar café. Era assim que se formava homem de bem.
O velho Benedito gostava de contar os ‘’causos’’ de sua curta infância, pois cedo foi pra lida, e se casou muito jovem, com uma moça de boa família, que morava na fazenda vizinha, como era o costume.
Teve poucos filhos o que não era normal naquela época, mas sua esposa uma cabocla muito bonita tinha uma saúde muito frágil, lhe deu só três filhos sendo: dois homens e uma mulher, que era a caçula.
Normalmente as famílias naquela época eram grandes, os casais tinham em média dez filhos, em pouco tempo a criançada tava pronta pra pegar na enxada, mão de obra barata e fiel pra ajudar nas extensas plantações das grandes fazendas, o que mais importava era comprar terras, quanto mais, melhor, assim se media as posses de um fazendeiro, pelo tamanho de suas terras.
E foi assim que ele viveu, o tempo passou lento, seus filhos cresceram, casaram como sempre acontecia, sem novidades, ficou viúvo, sofreu muito com a perda de sua estimada companheira, esposa fiel, mulher de fibra sempre lutou ao seu lado para criar os filhos, assim foi por muitos anos, mas derrepente percebeu que estava só, a idade avançando, os filhos casando cuidando de suas próprias famílias, essa é a lei da natureza, como gostava de dizer: ninguém fica pra semente.
Tinha um consolo, os netos vinham em abundancia, diferentes dele seus filhos tiveram muitos filhos, e desses filhos vinham outros filhos, mas ele preferia morar só na casa grande da fazenda.
Com o tempo velho Benedito já não podia ir pra roça, mas as terras que comprara com o suor de seu rosto e de sua esposa, eram muito grande, sempre teve tino pra negociar as produções da lavoura e seus filhos como ele havia ensinado bem, cada um tinha já o seu quinhão de terra, para laborar, a idade havia chegado, e seu corpo cansado de tanta luta, já reclamava um descanso bem merecido.
Terra roxa, terra de café, era assim a fazenda inteira, a idéia de vender, tirava o sono daquele homem, depois de tanta luta, não podia mais capinar, arar, roçar, não tinha solução, iria vender parte da fazenda, pois as terras tinham de ser cultivadas, se não por ele que fosse por outro lavrador.
Os filhos estavam de acordo, o velho pai precisava descansar com tranqüilidade.
Eles só não sabiam o que o velho já era homem rico, pois ele guardara algum dinheiro, para o caso de alguma precisão, e nada dissera aos filhos, pois cada um tomou um rumo e se fizeram por conta própria, as terras dos filhos não era tão grande como a fazenda do velho Benedito, mas já era o suficiente para criar os filhos, tava bom assim, enricá pra que?
Um dia um fazendeiro vizinho teve um problema sério, precisava de dinheiro com urgência, o banco estava preste a tomar sua fazenda quando o velho Benedito vendo a aflição do amigo, sabendo que foi só uma safra ruim e que o homem era honesto, acudiu o fazendeiro, emprestou uma quantia em dinheiro que estava guardada no banco.
Salvou as terras do vizinho, este muito agradecido lhe pagou os mesmo juros que o banco cobraria, vendo ai uma vantagem o velho Benedito, se tornou o banqueiro informal da região, emprestando dinheiro a juros para os agricultores, que lhe pagavam religiosamente, sem ter o incomodo de ir até a cidade para guardar o dinheiro. Ficou cômodo para o velho Benedito, era como chamavam o fazendeiro.
Um de seus filhos não era muito feliz no casamento, sua esposa era muito voluntariosa, lhe dera onze filhos dos quais só dois era mulher o resto tudo homem para trabalhar na roça, mas depois de muitos anos, ela achou que deveria haver mais do que só cuidar dos filhos, da casa, das criações e das plantações, resolveu tomar as rédeas da família, naquela casa, agora quem mandava era ela, e nos finais de semana começou ir para os bailes se divertir, adorava dançar, tomou gosto pela liberdade e nos fins de semana saia e só chegava a casa quando era madrugada alta, com seu belíssimo cavalo branco, que ela comprou só para ir os bailes, na volta o marido cuidava do animal a mando da esposa.
Montava muito bem a bela senhora, moça de fazenda conhecia bem um bom animal.
O velho Benedito nunca aceitou essa situação, pra ele quem devia vestir as calças, ser macho naquela casa era seu filho, mas coitado, esse pouca autoridade tinha com aquela mulher, que todos na região já chamavam de “mulher-macho”, com o tempo ela passou a comprar, vender, domar cavalo, mandava mesmo, ao marido só restava acatar, ou dormiria no paiol.
E era muito brava, pra cuidar e educar um bando de moleques teve que ser dura, ninguém se metia com ela, nos bailes ela tirava o caboclo pra contra dança, e ai do sujeito que recusasse, era uma mulher muito alta e forte, pra surrar um caboclo não precisava muito, e também gostava de tomar uns goles a mais.
Com o velho Benedito ela não se metia, na verdade tinha esperança de herdar do velho a fortuna que ele amealhava, ela dizia pertenceria ao marido, quando o velho batesse as botas, pois o esposo era o primogênito, embora não tivesse a menor idéia de quanto era essa fortuna ela sonhava com esse dinheiro, e o velho não andava bem de saúde, era questão de tempo.
Mal sabia ela que o velho, também já havia pensado nisso, sabia da “gana” da nora agourenta e se precavera para no caso em que viesse a bater com as botas ela não poria as mãos em nenhum tostão, do seu dinheiro. Seu filho escolhera mal a mulher pra casar, azar dele.
Velho Benedito viveu seus dias de velhice com tranqüilidade, seus netos, lhe davam muita alegria, foi um avô maravilhoso, sempre rodeado por crianças, uns mandados pelos pais, caso ele fosse deixar uma herança, se lembraria desse, mas a maioria era pelo prazer de sua companhia mesmo, suas deliciosas história contadas ao pé do fogão de lenha, onde se empoleirava, para se aquecer nas frias tardes de inverno.
Mas como ninguém fica pra semente, o velho Benedito também não ficou, se foi calmamente numa noite quente de verão, partiu sem se despedir, restava as histórias que seus filhos, depois os netos levariam para sempre na lembrança, iriam se lembrar com saudade daquele, avô carinhoso e cheio de “causos”.
Pois bem, mas e agora? como ficou a tal herança? Para quem ele deixou toda sua fortuna, já que os filhos praticamente abandonaram o velho ali? As visitas que recebia, ou era as crianças, para ouvir as histórias, ou era os clientes emprestando dinheiro, ou pagando empréstimos, a família dizia não ter tempo, para fazer visitas, muita lida no campo.
Agora não precisavam estar ali, a casa estava vazia, silenciosa, as terras ele havia vendido quase toda, pouco restou da enorme fazenda, as galinhas no terreiro, pareciam entender o que acontecera, derrepente aquela cozinha aconchegante, deixou de existir, ninguém se lembrou de acender o fogão, estava tudo frio, meio sombrio até, as crianças estavam sentindo de verdade a perda do avô, mas só elas, porque os adultos só queriam saber de uma coisa. Onde estava o dinheiro?
Depois de enterrar o velho ao lado de sua querida esposa, não demorou muito e começou uma verdadeira corrida ao ouro, não foi pouco o que reviraram a casa, tudo foi retirado do lugar não ficou pedra sobre pedra, e nada, a fortuna tinha sumido, desapareceu da face da terra, derrepente alguém teve a infeliz idéia de ver se ele havia escondido debaixo do assoalho do quarto, em pouco tempo apareceu pás e picaretas e os buracos foram aberto, e ainda nada, decidiram botar a casa abaixo, fizeram isso e nada encontraram, nem um mísero tostão apareceu, o próximo passo foi escavar o quintal, no final das contas tudo o que restou da fazendinha, foi uma área esburacada e o terreno todo revirado e o tesouro nunca foi encontrado.
A nora valentona ficou furiosa com o velho que se atreveu partir, sem deixar a herança de seu esposo, falou mal, esbravejou, mas teve de se conformar.
Na região ninguém sabia como foi que o velho fez para nada deixar, será que ele gastou tudo o que tinha? Mas gastou com o que?Como?
Era a pergunta que todos se faziam e a resposta era sempre a mesma, nada.
O tempo passou e o mistério continua até hoje, o que aconteceu com a fortuna do velho Benedito?. Sem resposta.


Nilda Zafra

terça-feira, 15 de março de 2011

PRISIONEIRO DE MIM

Como foi que a polícia chegou em casa?

Como foi que em poucos minutos eu estava na frente do delegado respondendo perguntas que eu esperava que nunca iria responder,mas temia responder.

Como diz no jargão policial a casa caiu.

E como disse o poeta ’’e agora José"?

Pra você entender minha história vou começar do começo.

Morava eu no norte do país vivia com minha avó, senhora já idosa que deu um duro danado pra me criar depois que meus pais morreram num acidente de barco, sendo eu filho de sua filha minha avó me pegou ainda pequeno, meu avô era um sertanejo desiludido com a vida na cidade faleceu quando eu já era rapazinho, daí a necessidade de começar a trabalhar Pra ajudar minha avó por quem eu tinha muito carinho.

Antes de falecer meu avô me ensinou seu oficio de carpinteiro ele era muito bom com as ferramentas, me ensinou o que pode, aprendi cedo o valor do trabalho.

Foi trabalhando numa obra que acabei conhecendo a Ritinha, menina faceira de riso fácil e muito bonita, estranhei quando ela aceitou ir ao cinema comigo, eu era muito tímido pouco falava, mas ela não se incomodava, dizia que falava por nós dois, e era verdade.

Ela aceitou meu pedido de namoro logo no primeiro encontro, minha primeira namorada, minha avó não gostou da Ritinha achou a menina muito ’’dadinha’’ palavras de minha avó para definir a moça.

Namoramos algum tempo foi quando a Ritinha disse que tava esperando um filho meu, de inicio fiquei zonzo com a notícia, pois eu cuidava da minha avó, mas depois até que gostei ia formar minha própria família.

De novo minha avó não gostou, disse que eu era muito novo para casar e constituir família, mesmo assim cedeu uma parte do terreno para eu construir minha casa pra morar com a Ritinha.

Casei e fui morar com minha mulher nos fundos da casa da minha avó, antes de meu filho nascer, minha querida avó adoece e falece foi muito derrepente. Foi muito difícil pra eu aceitar a morte daquela senhora que eu tinha como minha mãe, era uma pessoa muito generosa muito bem quista no bairro onde morávamos, mas agora eu tinha uma família para manter e um filho as portas, era uma grande responsabilidade.

Não sei exatamente o dia, quando começou a agressividade da Ritinha, mas foi logo que o menino nasceu ela me agredia com palavras, a troco de nada, queria coisas que eu não podia dar, queria uma vida mais abastada, mas eu não tinha como. Trabalhava direto, e nos dias de folga arrumava algum bico para aumentar o salário. Passei só a trabalhar e nem via direito o menino que tava crescendo, eu queria muito sair um pouco com eles passear com minha família, mas minha mulher estava cada vez mais distante e agressiva, eu não entendia o que estava acontecendo.

Tinha um rapaz que trabalhava comigo na obra, um dia ele tentou abrir meus olhos, para o que acontecia na minha ausência em casa, mas eu achei que fosse despeito afinal Ritinha era uma mulher muito bonita, mas quando um senhor por quem eu tinha o maior respeito, pois ele era compadre do meu falecido avô, veio me abrir os olhos para as coisas que acontecia em minha casa fiquei preocupado, percebi que aquele homem não estava inventando nada, logo realmente acontecia alguma coisa em casa enquanto eu trabalhava.

E foi com essa desconfiança que fui trabalhar, não querendo acreditar no que falavam de minha esposa, estava mais preocupado com meu menino nesse rolo todo, era uma criança um ser inocente. Quando não se quer ver nada enxerga, não queria admitir que houvesse algo de errado, acho que no fundo, queria apenas ignorar.

Um dia fui trabalhar bem cedo como de costume, no meio do dia tive mos um problema e o empreiteiro nos dispensou mais cedo, fui direto pra casa, pois teria meio dia para ficar com meu filho.

Quando cheguei em casa era inicio da tarde, achei estranho meu filho brincava debaixo de um sol muito forte ele era ainda muito pequeno e estava sozinho, perguntei pela mamãe, e ele disse que ela tava dormindo em casa, e ela disse para ele ficar brincando por perto da casa, peguei-o no colo e entrei. Iria chamar a atenção de minha esposa pelo ato de irresponsabilidade em deixar ele só.

Deixei meu filho na sala e fui procurar minha esposa, como ela era muito irritada entrei pé ante pé no quarto para avisar que já estava em casa, e mais tarde chamá-la para uma conversa, qual não foi meu espanto ela tava realmente dormindo só que tinha um homem dormindo com ela na minha cama. Não acreditava em meus olhos.

Fiquei louco de raiva fui até a cozinha peguei uma faca e parti pra cima do cara dei várias facadas nele, ele nem acordou. Ela acordou apavorada, tentou me impedir e acabei acertando uma facada nela também. Gritou como louca, defendendo aquele sujeito que eu nem sabia quem era. Um estranho em meus lençóis com minha mulher, era demais pra mim.

Meu transtorno era tanto que nem percebi a chegada dos vizinhos, a faca estava na minha mão quando percebi o que tinha feito; Acabava de matar um homem! Justo eu que não gostava nem de ver minha avó matar as galinhas para o almoço, nunca briguei com ninguém e agora era um assassino.  Estava em estado de choque, o seu Joca o compadre do meu avô, me tirou de lá.

Os vizinhos que me conheciam sabiam da minha luta para manter minha família, quem não prestava era a Ritinha que depois soube andava com qualquer um enquanto eu trabalhava.
Seu Joca arrumou algum dinheiro com toda a vizinhança, muita gente ajudou e me despachou para São Paulo. Eu não conseguia pensar em nada.

Ele disse que eu não merecia passar o resto da minha vida numa prisão por causa daquela mulher, mas aquela mulher era minha esposa e mãe do meu filho.

Me arrependi muito do que fiz, ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, todos tem o direito de viver, conforme lhe aprouver, e nós temos que respeitar isso, só não tive tempo de pensar sobre isso na hora, agi por impulso e foi muito errado. O que eu mais amava ficou para trás meu filho.

Em são Paulo, foi uma dificuldade tremenda, retirante nordestino tinha aos montes e trabalho nem tanto. Foram dias de muita luta com minha consciência, queria voltar para reparar meu erro, mas quando escrevia pro seu Joca relatando essa minha vontade, ele me aconselhava a desistir e tentar tocar minha vida aqui mesmo e esquecer o que tinha acontecido por lá. Soube depois que a Ritinha saiu do hospital e não foi grave o ferimento que causei, logo já estava em casa de novo, sabendo que os vizinhos tinham me ajudado a fugir ela ficou furiosa esbravejou ameaçou e fez um escândalo logo que pode vendeu a casa que era herança da minha avó, pegou o menino e foi embora de lá, não quis deixar o endereço com ninguém, de onde estava indo, pois todos sabiam da sua conduta errada enquanto era minha esposa.

Ela nunca fez muita questão de esconder que levava homens para minha casa, todos os vizinhos sabiam, e seu Joca me contou porque todos tinham dó de eu ser traído, mas também tinham receio de contar visto que a Ritinha ameaçava quem a delatasse, pois dizia que um de seus amigos era matador e era só ela mandar que ele faria qualquer coisa por ela. Se era verdade, ninguém sabia, mas na duvida, se calavam.

Levou meu menino, sabe Deus pra onde. Passei noites e noites acordado pensando no meu filho junto daquela doidivanas, o que ela poderia fazer contra meu menino, foram muitas lágrimas derramada pelo meu bem mais precioso o menino.

De novo estava sozinho, numa cidade muito grande, com tantos perigos por toda parte, e eu um homem amargurado e muito triste. Pensei muita besteira, vi muita coisa feia.

Depois de rolar pelos albergues de são Paulo consegui finalmente assentar minha cabeça e consegui um trabalho numa obra, eu era bom nisso, só precisava de uma oportunidade para provar meu valor.

Nessa vida de trabalhador passei muitos anos, refiz minha vida como não gastava meu dinheiro em bobagens, foi acumulando no banco e consegui comprar uma casinha, eu ia do trabalho pra casa de casa pro trabalho.

O tempo é cruel, quando dei por mim estava ficando velho e sozinho isso já tinha passado 15 anos que eu sai do norte e vim parar em são Paulo. O tempo passou e eu nem percebi.

Dona Lurdes era uma senhora muito prestativa, era esposa de meu companheiro das obras, pois depois de tanto tempo o empreiteiro tinha confiança no meu trabalho e me levava para todas as obras que ele pegava, o Jorge era meu companheiro de obra já a muito tempo era também um imigrante só que do sul, ele tinha um sotaque engraçado, quando veio para são Paulo com sua esposa tentar a vida, não esperava tanta dificuldade, muitas vezes tive de socorrer meu novo amigo, pois nosso ganho na obra não era de muita monta, e tudo na cidade grande é muito caro, teve um episódio que marcou muito, foi quando a esposa do Jorge foi pro hospital pra ter nenê passou muito mal e quase morreu, a criança não se salvou, era o primeiro filho deles, foi muito difícil pra Jorge e pra dona Lurdes superar a perda.

 O tempo passou e não tiveram mais filhos aconteceu alguma coisa com a dona Lurdes e ela não pode ter mais criança. O jeito foi se conformar.

Já estávamos ficando velho para trabalhar em obra, consegui me aposentar pois já não conseguia mais produzir como antes e com o tempo veio a cobrança de tanto esforço, as pernas já estavam fracas, o reumatismo pegou feio e não queria me largar.

Eu já estava dependendo de remédio para poder andar, quando meu amigo faleceu ,ataque do coração, nem teve tempo de descansar tinha acabado de se aposentar e deixou a dona Lurdes sozinha.

Como eu sempre trabalhei era ela que cuidava de nós dois na verdade, muito limpa e caprichosa, cozinhava que era uma beleza, aprendi a comer muita comida sulista, coisa boa mesmo, tempero de primeira.

Uma grande mulher, de muito respeito e muito cuidadosa, agora sozinha estava muito triste e preocupada, pois tinha alguns problemas de saúde e o que seu marido deixou de aposentadoria não estava sendo suficiente para suas despesas, minha aposentadoria também não era muita coisa, mas sempre que podia ajudava a dona Lurdes, foi assim que depois de muito conversar e acertar tudo que decidimos, os dois sozinhos morando em duas boas casas, dava mais despesas ainda, então decidimos morar numa casa e alugar a outra, assim passamos a morar na mesma casa, em quartos separados como bons amigos que fomos por tanto tempo, dessa forma a renda da dona Lurdes aumentou e ela ficou mais tranqüila.

Mesmo passado tanto tempo eu ainda pensava muito no crime que tinha cometido, e sentia muita falta do meu filho, era um segredo que eu guardava no meu coração, não podia falar nada a ninguém, as vezes me sentia muito sufocado com todas essas coisas que tinha escondido.

A dona Lurdes pediu para que eu fosse comprar um remédio pra ela na farmácia que tinha no bairro, na volta pra casa meu coração parecia que ia parar, na porta de nossa casa tinha uma viatura policial, alguns bandidos tinham roubado uma loja e tinham fugido e entrado no nosso quintal, os policiais pegaram os bandidos mas como eles foram pegos no quintal da minha casa eles pediram meus documentos só para mostrar para o delegado no quintal de quem os bandidos estavam escondidos. Eu fiquei apavorado em entregar meus documentos para os policiais, eles logo perceberam meu nervosismo, e quando verificaram meus documentos descobriram que eu era procurado por assassinato no norte.

Fiquei calado e acompanhei os policiais, coitada da dona Lurdes não tava entendendo nada, como eu não esbocei nenhuma resistência os policiais ainda  foram muito gentis com ela e disseram que eu estava sendo conduzido só para reconhecer os bandidos,e deixaram uma policial feminina para explicar para ela quem eu era, pois dona Lurdes era uma senhora, doente e de aparência muito frágil.

Já na delegacia o delegado pediu para que eu dissesse como tinha ocorrido o crime, que por sinal já estava quase prescrito, pois no Brasil em 20 anos prescreve os crimes não julgados e eu nem sabia disso, mas enfim já havia se passado 19 anos do ocorrido no norte.

Nem sei como fui parar no noticiário, mas acabou repercutindo nacionalmente, depois de tanto tempo, sem saber da minha família foi um grande susto quando depois de uma semana na delegacia ainda apareceu um rapaz bem arrumado e queria falar  comigo, o delegado mesmo eu sendo procurado me tratou com muito respeito. 

Fiquei sozinho com aquele rapaz, e olhando melhor senti um aperto muito forte no peito quando ele me disse tinha vindo do norte muito interessado no meu caso pois ele era advogado e me devia essa, eu não tava entendendo nada, foi quando eu percebi que o rapaz tirou do bolso um retrato antigo de um homem com uma criança no colo e me entregou, reconheci o retrato, pois foi um dos poucos passeios que eu tinha feito com meu filho e um retratista tirou uma foto de nós dois, comecei a chorar de saudades do meu menino, e disse ao rapaz que não tinha idéia de como estava meu menino. O rapaz ficou em silencio esperando eu me acalmar, mesmo com lágrimas rolando também por sua face.

Depois de algum tempo o rapaz, disse que a criança do retrato era ele, eu quase infartei de susto o meu menino era homem feito,e estava tão elegante de terno, era um homem de bem.
Ali na minha frente estava, o meu bem mais precioso, pedi para dar um abraço e ele chorando me abraçou muito forte e disse que sentiu muito a minha falta.

Meu filho estava ali para me tirar da prisão onde estive por tão pouco tempo, mas dentro do meu coração estive preso a minha vida toda, fui liberto da minha divida com a sociedade meu crime foi julgado e considerado legitima defesa da honra. Agora livre meu filho me disse que sua mãe falecera a pouco, mas fez de tudo para que ele estudasse e fosse alguém na vida e sempre o incentivou a procurar o pai, depois daquele fatídico dia ela foi pra outra cidade colocou quase todo o dinheiro da casa da minha avó na poupança para que o menino estudasse.

Ela entendeu que fez tudo errado, que sua conduta foi de uma pessoa má e sempre inocentou o pai para o filho, ela trabalhou e cuidou do menino até morrer.

Antes de morrer pediu para quando o filho estivesse com o pai pedisse perdão por ela, pois depois de tudo ela se arrependeu muito do que tinha feito.

Agora depois de tudo esclarecido, meu filho, aqui junto de mim, voltamos para casa para explicar para dona Lurdes toda a história, coitada ficou tão emocionada com tudo o ocorrido e se propôs a cuidar de nós dois, pois era um mulher de boa índole.

Meu filho foi criado longe de mim, tínhamos muita história para contar, e eu queria saber tudo sobre ele, como foi na escola, como foi crescer sem pai, foi uma vida inteira longe, agora eu estava feliz por poder compartilhar o resto da minha vida com meu maior tesouro, acredito que a esperança de revê-lo foi que me manteve firme até agora.

Já consigo dormir sem sobressaltos, tenho paz enfim.

Hoje agradeço a Deus por me permitir viver para esclarecer todo esse embrolho.


Nilda Zafra