sexta-feira, 15 de abril de 2011

RENASCER

    Quando Fabio soube que ia ser pai ficou muito feliz, depois de tantos tratamentos sua esposa querida enfim ficara grávida.
    Por ser filho único, seu maior sonho era ter uma família enorme com muitos filhos, uma casa grande com muitas crianças correndo pra cima, e pra baixo.
     Seu casamento era perfeito só faltavam os filhos e agora eles estavam chegando.
Os pais da esposa faleceram em um acidente de carro, deixando-a órfã, sua avó era sua única família, mas já estava idosa, por isso compartilhava do mesmo desejo do marido em ter uma família enorme, mas o destino lutava contra esse desejo de ambos.
    Depois de uma gravidez muito conturbada cheia de cuidados especiais, nasce finalmente Fernando, o filho mais desejado do mundo.
    Marisa sofreu muito, os médicos foram categóricos em dizer que ela jamais poderia ser mãe novamente, sua pressão arterial subiu muito no final da gravidez, e ela corria perigo se tornasse a engravidar por isso a vinda do primogênito era motivo de grande festa, ao mesmo tempo em que ela sofria, pois não poderia gerar um irmão ao Fernando, esse também era o nome do pai de Fabio.   
    O que surpreendeu a família foi o desenvolvimento do garoto, cada dia mais forte e saudável,
muito ativo aos  quatro anos de idade já freqüentava  o pré-escolar com grande êxito sendo destaque entre seus colegas, era um garoto muito corajoso e gostava de desafios.
     Fernando já com oito anos estava feliz com sua pequena família só queria ter mais irmãos, sua mãe lhe explicava que gostaria de adotar um irmãozinho, mas seu pai queria mais tempo para pensar no assunto, era um grande passo a ser dado.
    A família ia passar o dia fora, Fernando em férias escolar iria com seus pais á capital porque seu pai precisava resolver uns negócios e sua mãe precisava fazer umas compras, ele queria se divertir num parque que havia visto na televisão, sua mãe lhe faria companhia. Combinaram depois de almoçar de se encontrar na frente do parque, no final da tarde.
    Marisa não comprou muito, aliás, quase nada, pois Fernando estava ansioso por irem ao parque, queria muito andar na roda gigante. Tudo estava perfeito até o dia de sol brilhava mais.
      Fernando queria que sua mãe fosse com ele na roda gigante, mas Marisa tinha um pouco de medo de altura e ficou só olhando enquanto seu filho ria muito cada vez que dava uma volta e se aproximava de onde sua mãe ficou parada lhe observando.
    O parque estava muito cheio, principalmente de turista do interior do estado que excursionavam ali, o barulho foi muito grande, algo deu errado e a roda gigante deu um tranco exatamente no início da descida da cadeira em que estava o Fernando.
    O menino foi arremessado para baixo, Marisa deu um grito enorme e pulou a grade de proteção para aparar seu filho que caia da roda gigante, com o baque Marisa caiu no chão com seu filho no colo, bateu com a cabeça, e desmaiou Fernando também bateu a cabeça, pouco se feriu mas foi o suficiente para desacordá-lo.
    No tumulto que se criou Marisa foi retirada do parque e levada a um hospital e Fernando a outro.
    O parque foi fechado e todos foram retirados, foi muito triste um fim de tarde tão bonito terminar com uma cena tão triste.
    Fabio chegou para buscar sua família e voltar para sua cidadezinha no interior, pois a reunião tinha sido um sucesso e ele estava ansioso por contar a sua esposa o resultado.
 Ele estranhou o silencio que estava pairando agourentamente ali, onde estaria sua esposa e seu filho que haviam de esperá-lo ali?
    Se aproximou do quarda que se postava próximo ao portão do parque e perguntou o motivo de estar já fechado, o cartaz pregado ali dizia que teria ainda uma hora de funcionamento, o guarda contou o ocorrido e falou também do grito que a mulher deu ao aparar o garoto que caia, Fabio sentindo um frio na barriga perguntou o que ela gritara e ele disse:
    - Fernando...foi o que ela gritou, acho que era o nome dele - disse o guarda pesaroso -.
    Fábio sentiu o chão sumir debaixo de seus pés, empalideceu e sentou no capô do carro o guarda preocupado correu até ele e perguntou se estava bem, Fábio disse:
    -Fernando é o nome do meu filho... não pode ser ele.
    -Olha moço, não conheço seu filho, mas posso dizer como era o garoto e a mulher que se acidentaram aqui.
    -Me descreva eles por favor- pediu Fabio já temendo o pior.
    O guarda ia descrevendo as vítimas ao passo que Fábio ia desmoronando por dentro, a dor apertava-lhe o peito a respiração estava ficando difícil, e ele não queria acreditar no que ouvia. Mas a verdade era que as descrições que ouvia batia com tudo.
    Não podia ser verdade, aquilo não podia estar acontecendo com ele e sua família , não podia ser.
    Fabio se despediu do guarda e foi se sentar no carro queria ter esperança de que aquela era só uma coincidência terrível, mas o bom senso lhe avisava que precisava sair dali. Ele esperou mais algumas horas, foram as mais longas e terríveis de sua vida.
    Decidiu sair à procura deles, anoitecia e nada, não queria acreditar naquilo que estava ficando latente, só por desencargo de consciência resolveu descobrir onde estava internada a mulher que aparou o garoto.
 Começou pelos hospitais e nada, já era muito tarde da noite quando ele encontrou o hospital onde fora levado Marisa, mas a noticia não poderia ser pior ela não resistiu ao ferimento na cabeça e veio a falecer, Fabio pediu para ver o corpo e quando viu sua amada ali sem vida desmaiou, toda uma carga enorme de tensão que vinha carregando desde o final da tarde teve seu final com o desmaio, foi levado para a enfermaria do hospital.
    No hospital onde Marisa dera entrada já quase sem vida nada se sabia sobre o garoto que a acompanhava, Fabio tentou indagar sobre seu filho mas ninguém sabia de nada, seu estado era lamentável, a o sofrimento era visível, a dor que sentia era muito grande quase insuportável. Fabio estava desesperado, ligou para seu pai no interior e pediu ajuda pois estava já sem forças.
    O enterro de Marisa foi numa tarde quente e com uma garoa fina caindo sobre seu caixão, parecia que o céu também chorava, uma vida fora interrompida, ou seu destino já havia se cumprido, nunca saberemos.
    O que restou de Fabio era só uma sombra do que fora, a desesperada busca por seu filho, ia dia a dia consumindo o que lhe restava de sanidade, o silencio sobre o paradeiro de Fernando, estava enlouquecendo-o, o único elo de Fabio com a vida ia sumindo aos poucos.
    Onde estaria aquele garoto, onde estava seu filho tão amado, o que teria acontecido a ele, será que tinha sobrevivido ao acidente?
Era a constante pergunta que não saia de sua cabeça.
    O tempo não é a cura para todos os males, isso ficou mais que provado para os pais de Fabio, ver o filho definhar e sofrer daquele jeito era muito cruel.
 Uma clínica foi a resposta que eles encontraram, Fabio havia desistido da vida, depois de vários anos sem notícia de Fernando parou de trabalhar, parou de falar com as pessoas que o rodeavam, só esperava o término de seus dias, para poder se encontrar com sua amada no céu.

    Mas há mais mistérios entre o céu e a terra como supõe nossa vã filosofia já dizia o escritor.
     E Fernando foi um presente de Deus para um velho médico, depois de duas filhas sua esposa desistira de dar a ele seu tão desejado filho homem, Doutor Antonio nunca se conformou, pois queria que, seu nome perpetuasse, e parece que Deus estava dando mais uma chance ao velho doutor. Quando aquele garoto, veio ao hospital pelas mãos dos bombeiros vítima de um acidente, o doutor Antonio sentiu uma grande afeição por ele, aquele pequeno ser tão desprotegido e desacordado. Muito tempo se passou até ele acordar.
    Com a queda, mesmo sendo aparado por aquela mulher o menino sofreu um trauma muito sério, a amnésia que se seguiu já era prevista pelos médicos, só o tempo diria como ele iria ficar.
    O tempo foi passando e ele não se lembrava de nada, era como se tivesse nascido com oito anos, sua mente esta totalmente em branco, o doutor Antonio cuidou dele como a um filho, seu nome era Fernando, era o que dizia a papeleta que os bombeiros deixaram na portaria do hospital, nela dizia que foi o nome que a mulher gritou no parque, mas, quem era ela não se sabia, nem onde estava, nem se havia sobrevivido ao acidente, mas o fato era que, ela salvou aquele garoto da morte certa.

     Com a alta hospitalar o doutor Antonio decidiu se responsabilizar por Fernando, já havia entre ambos uma bonita amizade era como pai e filho, Silvia esposa do doutor Antonio, estava de pleno acordo com o marido quanto ao destino do menino que eles já amavam .
    Fernando foi vivendo com a nova família até ser adotado definitivamente,já que precisava voltar a estudar e continuar sua vida, o vazio que tinha era preenchido com muito amor e carinho, por seus pais adotivos, talvez um dia viesse a relembrar de sua infância principalmente descobrir quem era aquela mulher que lhe salvou, mas, era preciso continuar e assim foi.
   
    Fabio depois de tantos anos, nada mais lhe importava, seu pai preocupado com o estado do filho, converteu seus bens em aplicações bancárias, já que Fabio nada fazia, praticamente vegetava na clínica onde residia, desde que desistiu de viver convencionalmente.
    Muitos anos haviam se passado daquele dia fatídico onde ele perdera sua família, seus pais faleceram um a um ele pouco conhecimento tomou do fato.
    A clínica estava sendo transformada, ele não tinha nem um problema físico teria de sair, recomeçar a vida de algum modo. 
   Com a saída, Fabio procurou o banco onde seu pai havia aplicado seu dinheiro, pois era um homem de posses. Com o tempo que transcorreu seus rendimentos seriam suficientes para lhe sustentar com algum conforto por muitos anos.
    Resolveu comprar um pequeno apartamento na capital, talvez a esperança não tivesse sido apagada por completo de seu coração.
    Já, Fernando, ia vivendo normalmente, sem saber da existência de seu, agora já velho, pai.
    A adaptação de Fabio a nova vida de senhor solitário ia caminhando a passos lentos, não havia pressa, simplesmente vivia cada dia como se fosse o mesmo. Algumas vezes saia para caminhar um pouco, ver o movimento, sem se interessar  por quase nada, mas naquela tarde sua atenção foi chamada por aquele casal que ensinava um garoto a andar no que parecia ser sua primeira bicicleta, aparentava ter uns seis anos, eles riam estavam felizes como ele já fora uma vez no passado, mas agora nem dor sentia mais, parecia ter secado por dentro seus sentimentos o haviam abandonado.
 Será mesmo isso ser possível?
    Fabio divagava sobre isso quando o garoto se aproximou dele com a bicicleta.
    - Meu Deus!!... o que está acontecendo? - disse Fabio consigo mesmo assustado -Não poderia ser verdade, seus olhos estavam lhe pregando uma peça.
    O menino que se aproximava, era seu filho desaparecido a muitos anos.
    Fabio saiu do banco, onde estivera sentado, correu abraçou o menino.
    -Meu filho Fernando, quanto tempo, que saudades meu menino! Ele ria e chorava ao mesmo tempo.
             Pensando que aquele menino fosse mesmo seu filho, pois a semelhança era incrível, mas percebeu que o garoto estava ficando assustado, e perguntou:
    - Filho, você se esqueceu de seu pai?
    O garoto assustado, falou :
    - Mas, meu pai esta ali! Falou e apontou para o homem que estava atrás.
    Nisso, seu pai chegou correndo para entender, o que se passava.
    - O que está havendo? - perguntou o pai do menino - já preocupado com aquele homem que estava muito emocionado, e que aparentava certa idade.
    -Este é meu filho eu o perdi a muito tempo, é o meu Fernando - disse Fabio ao pai do menino -
    - Senhor, esse menino é meu filho, Fernando Junior, pois demos a ele o mesmo nome que o meu.
    Fabio parou, olhou para aquele rapaz ali ao seu lado lhe falando de forma tão gentil foi um susto muito grande, quando notou que aquele era seu filho ali na sua frente, era  homem feito já, mas seus traços o tempo não apagara, teria reconhecido aquele rosto, tão parecido com sua querida esposa que o deixara tão repentinamente.
 Tudo foi muito emocionante pai e filho se reencontrando depois de muitos anos separados. Fernando quis entender melhor toda aquela história e foi com aquele senhor até seu apartamento, que era bem próximo dali, lá em uma grande mala, Fabio tirou as fotos de sua falecida esposa e de seu filho desaparecido a muito.
    Fernando vendo todas aquelas fotos lembrou de sua infância e de sua mãe, ele precisava de um gatilho para poder recuperar sua memória, foi uma emoção muito grande, que sua esposa preocupada telefonou imediatamente ao doutor Antonio que já em idade avançada, viesse ter com eles, pois todos tinham que contar um pedaço de toda essa estória .
    Fabio entendeu que seu filho fora criado com muito amor por aquele senhor de cabeça branca, que fora privado da presença de seu filho por pura ignorância sobre sua existência. Quando aconteceu o acidente o caso foi abafado pelo parque que não queria propaganda negativa e todos pensaram que Fernando fosse morador da capital, nem pensaram que ele fosse do interior. Por esse motivo não encontraram seu pai.
    Mas agora tudo estava sendo esclarecido, e pela primeira vez em muitos anos Fabio sorria de novo, tinha seu filho de volta, não acompanhou seu desenvolvimento, mas agora poderia curtir seu neto e acompanhar seu crescimento de perto, ganhou também uma filha, pois sua nora era uma moça muito educada e carinhosa.
    Nandinho, como era chamado o neto, adorou a aidéia de  ter mais um avô.
     Fabio foi convidado por seu filho, a morar com eles e assim teria uma família maior, já que sua bela esposa estava grávida novamente, teriam mais um componente na família, que estava crescendo, como sempre foi o sonho de Fabio e Fernando.
    Comovido aceitou o convite, pois a vida estava dando uma nova chance de ser feliz, e ele iria aproveitar ao máximo.
 Nossos sentimentos podem adormecer, mas no tempo certo ele desabrocha, e a vida renasce.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

RECOMEÇAR

         Heloisa acordou cansada e pensou: "Nada mais cansativo que cuidar de um adulto doente". Ela já passara muitas noites acordada com seus filhos quando eram pequenos, agora já estavam crescidos, contudo Francisco seu marido, conseguia ser o pior paciente do mundo, devido ao fato de estar bem acima do peso e sempre reclamando de tudo.
         Nada estava bom, como tinha uma boa saúde, ficava irritado com o fato de estar convalescendo de uma cirurgia de urgência a qual teve que se submeter. Isso depois de passar mal em plena praça pública, fato que também o irritava.
Taxista há muitos anos, com essa profissão conseguiu, manter a família e dar estudo aos seus dois filhos, um de seus orgulhos era de nunca precisar que a mulher trabalhasse fora, dizia: "Mulher tem que ficar em casa, cuidando dos filhos e dos deveres do lar, nada de sair pra trabalhar e arranjar confusão".
Heloisa a principio não concordou muito com ele, mas com o tempo se acomodou e assim o desejo de lecionar foi ficando pra depois, acabou desistindo de dar aulas, já que tinha se formado como professora acabou ensinando os filhos mesmo.
A cirurgia do marido não foi tão complicada assim, mas ele exigia sua presença o tempo todo, e nesse dia em particular ela estava mais cansada, a exigência foi maior, parecia que ele fazia de propósito, a cama que era do casal, foi deixada só pro convalescente, ela dormia em um colchonete ao lado da cama, caso ele viesse precisar dela á noite, o que acabava acontecendo freqüentemente, os filhos achavam que era exagero do pai, mas a mãe não reclamava e eles se calavam.
Numa noite ele precisou de um determinado remédio e constataram que tinha acabado não havia mais nem um comprimido na caixa, ele ficou furioso com Heloisa, pois esse era o remédio para evitar dor e ela tinha esquecido de comprar durante o dia, era obrigação dela providenciar, por esse motivo foi maltratada, os filhos se propuseram a buscar, mas ele exigiu que Heloisa fosse comprar na farmácia mais próxima, para não demorar.
Para evitar mais brigas ela foi, era a chance de ficar alguns minutos em paz. Numa esquina mal iluminada, sua suposta paz acabou, foi atacada por um marginal, que exigiu que ela mantivesse a boca fechada, apavorada permaneceu calada até ele terminar, foram alguns minutos que pareceram horas o bandido logo em seguida saiu correndo, largando-a ali na calçada,  não não houve assalto só violência física.
Heloisa não sabe quanto tempo ficou ali, sentada assustada, não queria acreditar no que acabara de acontecer, e pensou em como era espantoso a rapidez com que acontece um crime, não chorava, estava absorta. Uma mulher apareceu e ofereceu ajuda, compreendendo o que acabara de acontecer, mas Heloisa estava em estado de choque, a senhora a acompanhou e a deixou próximo da farmácia na qual devia comprar o remédio para o Francisco porque, ir para uma delegacia era impensável, um posto médico pior ainda, ninguém viu nada melhor deixar pra lá e tentar esquecer.
Voltando para casa depois de comprar o tal remédio, ela tremia de medo de reencontrar o bandido, mas estava tudo calmo, parecia que nada tinha acontecido ali á pouco tempo atrás.
 Já em casa seu marido nada percebeu, como perceberia? Estava tão preocupado consigo que não via nada além de si mesmo, tomou o remédio e voltou a dormir, pois já era tarde. Ninguém percebeu o estado quase catatônico em que ela se encontrava, por ser uma mulher de poucas palavras tudo parecia normal.
Heloisa entrou no banheiro para tomar banho, pois se sentia imunda, ligou o chuveiro, com a água caindo ela deu vazão a todos os sentimentos daquele dia, que terminara de maneira horrível, chorou muito e se esfregou mais ainda, sua pele clarinha, ficou vermelha, seus lindos olhos azuis ficaram inchados de tanto que ela chorou, enfim o cansaço de todo um dia lhe venceu, saiu do banheiro e se meteu entre os lençóis limpinhos do seu colchonete, precisava dormir e esquecer todo aquele pesadelo.
Precisava de uma noite de sono tranqüilo, mas não foi desta vez teve pesadelos a noite toda.
A recuperação do Francisco estava evoluindo muito bem, em breve ele poderia voltar para as ruas, dirigir seu carro que era o que mais gostava de fazer. A vida de taxista foi a saída que Francisco encontrou depois de algum tempo sendo operário de uma fábrica que faliu logo que casou.
Sem muito estudo, pelo menos tinha um carro novo que restou do acerto trabalhista, os filhos vieram logo e era sua obrigação manter a casa e a família.
A alta médica era esperada com ansiedade, pois as economias já estavam no fim, e Heloisa não vinha passando muito bem, se precisasse de médico Francisco tinha que estar trabalhando para manter qualquer tratamento.
Francisco ficou muito irritado quando ela disse que iria procurar um médico, disse que era frescura que ela tava procurando jeito de gastar dinheiro a toa. Ela teve que engolir mais essa grosseria do marido.
 A idade era uma preocupação, mais de quarenta anos, mas com boa saúde até então, talvez fosse a pré menopausa que estivesse lhe causando tanto mal estar e até tonturas, afinal já não era mais uma menina e sim uma jovem senhora.
 Estava resolvido, ela iria procurar um médico no hospital para conversar e ver o que estava acontecendo, também poderia ser o estresse, afinal seu marido foi tão exigente quando esteve doente que quase a deixou maluca, mas para não tirar conclusões precipitadas, Heloisa decidiu: "Vou na segunda feira sem falta".
O médico examinou Heloisa e achou muito estranho seu estado, pediu alguns exames, os quais ela poderia fazer no posto de saúde de seu bairro mesmo, quando em poder dos resultados retornasse, para avaliação médica, pois era muito cedo para um diagnóstico conclusivo, e ela era muito nova para estar na menopausa.
Duas semanas depois, ela voltou com os resultados em mãos, o médico riu ao lhe dar o diagnóstico, que era muito simples: ela estava grávida.
Heloisa teve um susto enorme era impossível, pois seu marido havia feito vasectomia depois que seus filhos nasceram e já eram grandes.
O médico disse não haver nenhuma falha, ela estava grávida já de algumas semanas, foi aí que Heloisa se lembrou daquela noite pavorosa, em que ela tinha sido atacada na rua. Chorando muito e desesperada contou ao médico, o que ocorrera.
Ele estava chocado com o que ouvia daquela senhora tão distinta que se debulhava em lágrimas em seu consultório, pediu para a enfermeira pegar um copo de água para a paciente, ao retornar a enfermeira reconheceu a mulher que tinha ajudado á algum tempo, quando voltava para casa depois de um dia de trabalho como assistente do médico, o mesmo que agora estava atendendo Heloisa, se certificou que se tratava da mesma pessoa. Conversaram muito principalmente dos riscos que Heloisa correu ao não procurar um médico na ocasião, pois existe o risco de se pegar doenças nesses casos sem falar no vírus HIV, tinha sido imprudência dela.
 Heloisa aos poucos se acalmou, encontrou ali uma amiga para desabafar, pois fazia tanto tempo que não conversava com ninguém, não era de se lamentar, mas a vida estava sendo cruel com ela.
Ficou decidido que os três iriam pensar numa saída para Heloisa, o médico iria conversar com Francisco e tentar, fazê-lo entender o drama em que a esposa estava vivendo, mesmo depois de saber do comportamento machista, que ele tinha para com ela.
 Francisco não era má pessoa, só foi mal preparado para a vida, o comportamento antiquado herdou de seu pai um senhor com idéias retrógradas. Mas Francisco precisava saber o que estava acontecendo no momento.
E assim chegou o dia das revelações.
No consultório onde estavam o clima era tenso, Francisco brigando com Heloisa por perder uma manhã de trabalho na praça, ela apavorada com a reação dele, enfim o clima era de terror, o médico logo notou que tinha pela frente uma grande batalha, mas ele tinha que preservar a vida a todo custo, e apoiar sua paciente, da qual estava ficando amigo.
Francisco não acreditou no que estava acontecendo, aquilo era um absurdo, sua esposa estava grávida de um marginal qualquer e eles queriam que ele aceitasse aquilo com naturalidade, estavam pensando que ele era o quê, um idiota? Jamais aceitaria isso.
        A briga foi muito feia, ele saiu do consultório dizendo que não queria ver Heloisa nunca mais.
        Era o fim de um casamento de anos.
        Depois de pensar muito, ela foi pra casa conversou com os filhos que ficaram chocados com o que a mãe passou e estava passando.
        Decidiu acatar a ordem do marido pela ultima vez e sair da própria casa onde viveu por tanto tempo, os meninos apoiaram a mãe, pois nunca concordaram com a maneira autoritária e machista do pai.
O apoio daquela senhora que ajudou Heloisa naquela noite fatídica foi muito importante, ficaram grandes amigas, era uma viúva aposentada que trabalhava com o médico mais como uma forma de se manter ocupada, pois recebia uma generosa pensão deixada por seu falecido marido, e morava num ótimo apartamento próximo de onde Heloisa residia.   
Como Heloisa estava sem saber onde iria ficar, já que voltar para a casa da mãe era impossível, acabou aceitando o convite para ficar morando com a nova amiga.
Heloisa iria precisar de ajuda já que a gravidez era de algum risco devido à idade.
Decisão difícil, mas acertada principalmente quando nasceu o bebê, era uma linda menina.
 Francisco nem quis ter conhecimento do fato, decidiu se desligar definitivamente de Heloisa, concordou em dar uma pensão magra, afinal era a mãe de seus filhos machos, já que a vasectomia a qual se submeteu, foi pra não correr o risco de ter uma filha mulher.
Assim que pode ela voltou a cuidar de si mesma, seus filhos deram o maior apoio, moral e financeiro, ela era uma jovem senhora e muito bonita com um pouco de cuidado, seus lindos e louros cabelos voltaram a ter vida, seus olhos azuis como o céu de verão, brilhavam, como nunca foi gorda seu corpo ainda estava em forma, mesmo amamentando ficara muito bonita, a gestação um pouco tardia fez um bem enorme, o sorriso agora era constante, estava feliz depois de muito tempo.
 Conseguiu uma vaga como professora, numa creche onde poderia deixar sua filha e trabalhar no mesmo local. Afinal a amiga tinha que voltar ao trabalho depois de uma longa licença, que tirou para cuidar de Heloisa e do bebê que adotou como sua netinha.
Foi depois, desse pesadelo todo, que Heloisa percebeu o quanto fora negligente consigo mesma, deixando que seu marido dirigisse sua vida.
 Agora retomara as rédeas de seu destino e sua filha foi só um empurrãozinho que faltava, pois estava crescendo forte e sadia.
Ser mãe depois dos quarentas estava sendo para Heloisa uma novidade maravilhosa, ela se sentia livre para cuidar de sua filha, com o apoio de seus filhos mais velhos, que curtiam muito o fato de ter uma irmãzinha.
 O amor que um dia sentiu por Francisco acabou e se continuasse casada, não iria ser feliz, assim ela percebeu que aquele ditado popular é muito verdadeiro: Deus escreve certo por linhas tortas, e ele estava dando a ela uma nova chance de ser feliz, e Heloisa agarrou essa chance, uma pequena bochechudinha sorridente dependia dela.
 Iriam ser felizes.